A vida continua a mesma, mas o coração...

O motor do carro pifou? Vá a uma oficina, troque a peça e siga em frente. De uma forma muito simplificada, digamos que foi isso que ocorreu com o empresário João Luiz Kerber Klein, de 51 anos. Só de olhar para ele, não se pode dizer que está de "motor" novo, mas está. Ele nasceu com uma deficiência cardíaca, que não apresentava problemas até 1993, quando teve tonturas e descobriu ser necessário colocar uma válvula metálica.

A cirurgia foi feita no Instituto do Coração, em Porto Alegre. Porém não foi suficiente. A solução seria um transplante. O ingresso na fila por um coração novo ocorreu em agosto de 2002, sendo que a nova cirurgia foi realizada no dia 27 de novembro de 2002 no Hospital Dom Vicente Scherer, na capital. Sobre o doador, sabem apenas que tinha 33 anos. Todo o processo foi feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Casado com Mari Neiza de Oliveira Klein, de 42 anos, com quem teve o filho Daniel, 20 anos, João segue sua vida praticamente igual a antes. Apenas evita comer muito sal e gordura e faz consultas e exames periódicos, como qualquer pessoa que queira viver bem e por bastante tempo. A única diferença é que precisa tomar remédio durante o resto de sua vida, para evitar a rejeição do órgão recebido em doação.

E como bom senso nunca é demais, procura evitar contato com pessoas doentes, pois seu sistema imunológico é bem mais sensível que o das demais pessoas. Ou seja, adquirir uma virose ou infecção poderia ser muito perigoso para ele. Aliás, essa medida também vale para qualquer outra pessoa, em especial crianças, gestantes e idosos. Então está tudo mesmo nos conformes.

A normalidade é tanta que muitos nem sabem que João é um transplantado. Mari conta que alguns chegam a duvidar e outros questionam: "mas ele colocou só um pedacinho do coração, não é?". De fato, não fosse a notória evolução da medicina mundial e a mídia sempre divulgando a importância da doação de órgãos, seria mesmo difícil acreditar que é possível retirar o coração de uma pessoa com morte cerebral e fazê-lo bater normalmente no peito de outra. E é!


"Eu colei num transplantado" Quando João recebeu a notícia de que seria preciso fazer um transplante, nem acreditou no que ouvia. Ele e a esposa não sabiam exatamente como seria isso. Tudo era muito novo e até mesmo assustador. Amigos e familiares não sabiam exatamente do que se tratava. A informação era de que João precisaria de uma cirurgia. "Não queríamos assustar as pessoas, principalmente os nossos pais, já de mais idade", explica Mari.

Quando baixou hospital para fazer os exames preparatórios, João conheceu um senhor, transplantado havia seis anos, que estava em seus exames de rotina. "Eu colei nele para saber como era, se era tudo normal mesmo. Eu não tinha ideia do que ia acontecer comigo, de como ficaria a minha vida", relembra.

Mari destaca que, de um modo geral, as pessoas imaginam que o transplantado se torna uma pessoa frágil, que não pode fazer nada. Mas não é assim. Claro que existem exceções, porém a vida segue normal. "Eu faço caminhadas na esteira, pedalo na bicicleta ergométrica, faço musculação, vou às reuniões dos transplantados na Santa Casa uma vez por mês, viajo", relata João.

"Exercício físico é bom para baixar a pressão, é antiestresse e ainda evita o entupimento das veias. Ou seja, todos devem fazer", salienta. "Mas claro que não vou encarar uma maratona", brinca, destacando que, para tudo na vida, é preciso ter bom senso.


Família: a sustentação


Daniel tinha 15 anos quando o pai passou pelo transplante. Ele conta que sempre foi tudo normal. Sabia que era preciso uma cirurgia, mas não tinha noção do que exatamente era. A mãe, Mari, conta que esposas/maridos acabam sofrendo mais, e geralmente calados, para não angustiar o paciente que precisa passar por uma cirurgia tão importante. Ainda mais quando há outros familiares com problemas de saúde, como pais idosos, que poderiam não reagir bem à informação. "É preciso manter o equilíbrio, apesar da ansiedade e do medo", destaca, salientando que era algo totalmente novo, inesperado, para eles.

Com o apoio da família, João fez o transplante e a vida segue como antes. "Está tudo normal", salienta Mari. Por isso, há dupla comemoração neste final de semana na casa dos Klein. É que sexta, dia 25, foi o Dia Mundial do Coração e este domingo, dia 27, é o Dia Nacional do Doador de Órgãos e Tecidos. João e a família têm bons motivos para comemorar ambas as datas.


Por Dina Cleise de Freitas
Publicado no Jornal Ibiá em 26/09/2009 - Cadernos - Vida Sadia