Diabetes: uma vida feita de altas e baixas

-Boa tarde. Como está, seu Amaro? "Ruim", é a resposta.
Reprodução das páginas impressas
O jardineiro Amaro José de Medeiros, 54, é diabético há 20 anos. Ele possui o tipo 1 e tem oscilações bruscas na taxa de glicose no sangue. Com isso, as baixas no hospital são freqüentes. Ocorrem quase que uma vez por semana. "Num dia, a glicose está muito alta, a maquininha nem mede. No outro, é muito baixa", conta. Na última quarta-feira à tarde, quando a reportagem foi participar do encontro de diabéticos na Assistência Social, a taxa de glicose no sangue de Amaro era 38 mg/dl.
 Após várias conversas com as enfermeiras, depois com o médico, alguns períodos de espera, nova medição da taxa de glicose, tomar um copo de água com açúcar (para elevar a glicose no sangue) e fazer nova medição, o resultado: no mesmo. Amaro, então, come uma bala, na expectativa de aumentar sua taxa de glicose. Nova medição: subiu para 48. Mas ainda é muito pouco. Após uma nova conversa com o médico, o veredicto: é preciso baixar no Hospital Montenegro para controle da insulina.

Ao receber a notícia, Amaro deixa-se abater por mais uma vez ter de baixar hospital. -Quando foi a última vez que o senhor esteve no hospital, Amaro? "Semana passada", responde.

Com lágrimas nos olhos, lamenta não ter uma vida regrada como as outras pessoas "normais". Solteiro e sem filhos, mora com a mãe, de 80 anos, que também é diabética. "Mas a Diabetes dela está controlada. Ela só não pode comer nada de açúcar." Por isso, ele está sempre sozinho, para cima e para baixo. "É sempre assim", diz ele em voz baixa. Na sala de atendimento, a enfermeira confirma. "Todos aqui já conhecem ele. O Amaro está sempre sozinho".

-Amaro, dá para ser feliz assim? "É difícil", responde, baixando a cabeça em silêncio. "É uma doença que dá trabalho", completa, à espera da ambulância que o levaria ao hospital, juntamente com uma moça que estava com o índice de glicose elevado, passando de 500 mg/dl.


Controle da taxa de glicose deve ser rigoroso
Os diabéticos precisam controlar rigorosamente sua taxa de glicose, para manter regulado também o nível de insulina no sangue. E, assim, conseguir evitar outras doenças decorrentes da Diabetes. O ideal é medir duas vezes por dia: em jejum e duas ou três horas após o almoço, para fazer a comparação. Mas Amaro não tem o aparelho que faz a rápida leitura a partir de uma gota de sangue. Por isso, precisa sair de casa, no bairro Rui Barbosa, em jejum, para ir no Posto de Atendimento Médico (PAM), na rua Olavo Bilac. Depois, volta para casa para se alimentar.

Porém, muitas vezes, passa mal no caminho, por ter ficado muito tempo sem comer. "Quem tem Diabetes tem de comer a cada duas ou três horas, para manter a taxa de glicose equilibrada. Se não, passa mal", explica. À tarde, ele precisa ir até a Assistência Social, na Timbaúva, para medir novamente a glicose, pois o PAM fecha às 13 horas. Por isso, hoje, a principal necessidade de Amaro é conseguir comprar uma "maquininha" dessas.

Com a taxa muito abaixo do normal, Amaro tem formigamento no corpo, suor, calafrios, cãibras, dores de cabeça, dores nos olhos. A visão fica embaçada. "Parece que tem cerração", descreve. Ele já realizou uma cirurgia, "mas não ficou bom." Ele necessita novo tratamento. Se tivesse como fazer o controle em casa, ele detectaria a baixa ou a alta da glicose rapidamente e tomaria as providências necessárias, evitando ou amenizando todo esse mal-estar já rotineiro em sua vida.


Doença impede o jardineiro de trabalhar
Amaro já ficou várias vezes "encostado" pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Nesta quarta-feira, mais uma vez venceu o período do auxílio doença e ele precisava reunir documentos para reencaminhar o processo e marcar nova perícia. Mas, foi preciso esperar um pouco. Primeiro era necessário reequilibrar sua saúde para depois poder ir à agência do INSS.

Amaro conta que é ruim trabalhar no verão, pois passa muito mal com as altas temperaturas, ainda mais que sua profissão requer grande exposição.

No entanto, também não é bom no inverno, pois sente muito frio, principalmente nos pés. E, quando se machuca, a ferida custa a cicatrizar. Como seu maior medo é ter de passar por uma amputação, cuida ao máximo para não se ferir. "Se machucar um dedo, custa um tempão para cicatrizar", conta. Ele também cuida da alimentação, evitando especialmente gordura e sal.


Amputação – o maior medo
O trabalhador rural aposentado José Eduardo Kraemer, de 72 anos, morador de Costa da Serra, descobriu sua Diabetes há um ano e meio, através de um exame da taxa de glicose oferecido durante evento comemorativo ao Dia do Trabalhador Rural. Ele conta que, agora, sempre acompanha as reuniões, para buscar informação e unir forças, em especial para ajudar os que mais necessitem. Por isso, acabou sendo escolhido o vice-presidente da Associação dos Diabéticos de Montenegro (Adim).

Felizmente, a doença de José está sob controle, pois ele mede a taxa de glicose com freqüência. "Numa palestra, há algum tempo, ouvi que só o Hospital de Clínicas de Porto Alegre fazia seis amputações de pés por dia por causa da Diabetes. E que 50% dessas pessoas acabavam tendo de amputar o outro pé também", relata. "Isso quando elas não morrem antes", salienta, destacando a necessidade de manter-se vigilante.

E é justamente esse o maior medo de José. Para evitar complicações e uma possível amputação no futuro, ele resolveu seguir as orientações do médico e mudou alguns hábitos, como evitar o consumo de carne gorda e de bebida alcoólica. "A gente não é mais criança. Só temos esse corpo e temos a obrigação de cuidar bem dele", salienta.


Montenegro já possui mais de 2.000 diabéticos

"Isso fora as pessoas que ainda não sabem que têm a doença", diz a presidenta da Associação dos Diabéticos de Montenegro (Adim), Iraci da Silva Matias. Conforme ela, mais de 800 retiram medicamentos na farmácia da Secretaria Municipal de Saúde e Ação Social (SMSAS), sendo que alguns tipos nem são oferecidos lá. Para manter a Diabetes sob controle entre os montenegrinos, mensalmente a equipe da Assistência realiza um encontro para uma avaliação médica e palestra de esclarecimentos.

No encontro da última quarta-feira, 25 diabéticos compareceram para fazer uma consulta com o médico Mário do Canto Filho. Em um ambiente familiar, com linguagem clara e simples, e algumas dinâmicas de grupo, o médico explica o que é Diabetes e como deve ser tratada, além de desmistificar alguns mitos. A artesã Iraci, de 55 anos, não falta aos encontros. Ela tem Diabetes tipo 2 há 18 anos. Iraci conta que seu pâncreas funciona pouco, mas é possível controlar a doença através da aplicação de insulina, o que faz há 10 meses.

Percebendo a necessidade de divulgar mais a doença e as ações preventivas, Iraci teve a idéia de criar a Adim para ganhar "força" e poder ajudar quem mais precisa. "Com a associação, fica mais fácil encaminhar os processos para aquisição de medicamentos, em especial os caros que a Assistência não tem", salienta. Hoje, a entidade já envolve cerca de 80 membros.

Entre as lembranças do passado da artesã, estão torta de morango, chocolate, sorvete, churrasco... Hoje a dieta de Iraci é composta de pão de centeio, bolacha integral, peito de frango grelhado... "Só comida de doente", brinca, ao mesmo tempo em que alerta para a necessidade de se cuidar bem da saúde. "Carne gorda, bebida de álcool e doces são venenos para nós", salienta. Por isso, ela tem procurado restaurantes da cidade e dado orientações de como formar um cardápio para clientes diabéticos. "Já estamos tendo bons resultados. Eles têm nos ouvido e perguntado como fazer para atender bem esse tipo de clientes."


Dê atenção à alimentação
Os diabéticos precisam comer mais seguidamente, em geral a cada três horas. Mas não podem exagerar na quantidade. Afinal, meio copo de refrigerante possui muito mais calorias que uma porção de arroz e feijão. Então torna-se importante que os diabéticos adotem uma refeição balanceada, rica em fibras e pobre em calorias. O ideal é procurar orientação de um nutricionista para isso.


Não ingira álcool
O álcool é inimigo do pâncreas, tendo a capacidade de lesioná-lo, fazendo-o não produzir insulina. Sendo assim, diabéticos não podem consumir esse tipo de bebida. E não faltam fatos tristes para relatar. Como exemplo, o médico Mário do Canto Filho lembra um caso em que o paciente fazia uso insulina e também de bebidas alcoólicas. Um dia, ele desmaiou. Os amigos acharam que era por causa da bebedeira, e o deixaram quieto. Mas ele não acordou. Quando se deram conta da situação, a falta de insulina no organismo já tinha causado danos irreversíveis, como a cegueira.


Qual é o tratamento?
Como a Diabetes surge da falta de insulina (que regula a taxa de açúcar no sangue) no organismo, a solução é fornecer insulina através de injeções. O problema é que as pessoas não gostam de injeções.

Ainda, é importante alertar que existem vários tipos de Diabetes, por isso, o tratamento varia de um paciente para outro. Ou seja, enquanto alguns tomam apenas uma pílula por dia, outros tomarão cinco e outros terão de fazer as injeções de insulina. Quem define a forma de tratamento é o médico, com base em vários exames.

Se não tratada, a doença pode causar problema nos olhos (cegueira), diminuição da função dos rins, má circulação, problemas nos pés (inclusive amputação), feridas que não cicatrizam, entre outros.


Afinal, o que é Diabetes?
Ao contrário do que muitos pensam, Diabetes não é excesso de açúcar (glicose) no sangue, mas, sim, falta de insulina. Esse déficit pode ter duas causas: 1) Falência do pâncreas, que é o órgão responsável pela produção da insulina (hormônio natural que regula o açúcar no corpo). 2) Resistência natural do corpo à ação da insulina produzida pelo próprio corpo.

O médico Mário do Canto Filho explica que o nosso intestino transforma todo o alimento que ingerimos em glicose (açúcar), que serve para alimentar nossas células. De forma simplificada, pode-se dizer que a insulina é a "chave" que "abre as portas" das células permitindo a entrada da glicose, que, por sua vez, alimenta as células.

Quando o pâncreas não produz insulina suficiente para regular a taxa de glicose no sangue, sobra açúcar no organismo e isso gera problemas à saúde. Por essa razão é que devemos fazer exames de rotina para verificar se as taxas estão normais. Ou seja: entre 70 e 110 miligramas por decilitro (mg/dl) em jejum e até 140 mg/dl duas horas após o almoço.

Se ultrapassar esses índices (menos de 70 ou mais de 140) é preciso fazer uma avaliação médica imediata.


Quantos tipos existem?
Existem vários. Os mais comuns são:

*Diabetes Tipo 1 – é causado por destruição das células produtoras de insulina do pâncreas (Cel. Beta) pelas próprias defesas do organismo da pessoa. É mais comum iniciar em crianças e jovens. Requer uso de insulina injetável.

*Diabetes Tipo 2 – é o mais comum, sendo causado por alguns defeitos genéticos no pâncreas, associado à sobrecarga por hiperalimentação e pouca atividade física. É mais comum iniciar em adultos, embora ultimamente tenha ocorrido também em crianças. Está ligado ao excesso de peso e à Hipertensão. É controlada com alimentação correta, exercícios físicos e medicação.

*Diabetes gestacional – geralmente acomete mulheres que têm aqueles defeitos genéticos no pâncreas (tipo 2), que ainda não tinham se manifestado. A Diabetes então surge na gestação, pois nessa situação existe certa resistência do corpo da mulher à insulina. Fica evidenciado então que essas mulheres têm maior risco de desenvolverem a tipo 2 no futuro.


Quais são os sintomas?
O médico Mário do Canto Filho alerta que não se deve esperar aparecem sintomas para fazer uma avaliação médica. "O ideal é fazer exames de rotina, especialmente quando se tem algum familiar portador de Diabetes", explica. Isso porque não há sinais claros, a não ser quando o quadro já está grave.

Quando a taxa de glicose no sangue está extremamente baixa, o indivíduo sente formigamento no corpo, calafrios, dores de cabeça, até desmaios. Esses sinais também ocorrem quando está alta, mas só quando já ultrapassa 400 mg/dl, o que é muito perigoso à saúde. A única forma segura de se saber se o índice está adequado é através do exame de sangue.

Outro sinal de que as coisas não vão bem é quando levanta-se muito à noite para tomar água e urinar. Isso ocorre porque, quando a taxa de glicose está muito alta, os rins não conseguem segurar o açúcar, que acaba sendo eliminado pela urina. E como o açúcar absorve água e a leva consigo, aumenta o fluxo urinário. Então, o corpo pede mais líquido. Aí surge a sede excessiva.


Por Dina Cleise de Freitas
Publicado no Jornal Ibiá em 19/04/2008 - Cadernos - Vida Sadia