Existem 40 estabelecimentos registrados para o comércio de produtos farmacêuticos junto ao setor de Alvará da Prefeitura de Montenegro. Destes, 21 são farmácias. A reportagem do Jornal Ibiá visitou 11 (52%) delas para verificar quais são os dez tipos de medicamentos mais vendidos, segundo a ação que exercem no organismo. Dos listados, a maioria (55%) não requer apresentação de receita médica, comprovando o hábito da automedicação. Os antiinflamatórios e os analgésicos antitérmicos foram citados por todas as farmácias pesquisadas. Em seguida, apareceram os anticoncepcionais, citados por dez, e os anti-hipertensivos, citados nove vezes.
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Reprodução das páginas impressas |
Com o levantamento, soube-se que o consumo de anorexígenos (inibidores de apetite) é alto no município. Esses remédios são de tarja preta, ou seja, vendidos apenas sob apresentação da receita, que é de cor azul e fica retida na farmácia. Como para comprá-los é exigida visita ao médico, alguns usuários optam por emagracedores, inclusive manipulados, que não precisam de prescrição. Até chegam a fazer uso de vários medicamentos ao mesmo tempo, o que é um risco à vida.
Segundo a farmacêutica Ihara Scherer Araújo, a automedicação ocorre com mais freqüência nos casos de doenças crônicas como, por exemplo, Hipertensão ou Diabetes. "Este fenômeno acontece aqui em Montenegro, mas sabemos que também é uma prática comum no mundo inteiro, mesmo nos países com elevado grau de organização em seus sistemas de saúde", destaca. Ihara alerta que, normalmente, o consumidor não tem conhecimento necessário para avaliar corretamente o seu distúrbio. Por isso, corre o risco de fazer um diagnóstico errado, agravando a doença. "Por usar um remédio incorreto, pode acontecer uma reação alérgica com o uso de medicamentos com dosagem errada ou em excesso, o que ainda pode causar uma intoxicação", reforça.
Ingira apenas com água
Antes de se tomar um remédio, é aconselhavel sempre ler a a bula. A farmacêutica Ihara Scherer Araújo explica que comprimidos, drágeas e cápsulas devem ser ingeridos inteiros e com um copo grande de água. No caso de haver necessidade de desmanchar um comprimido ou cápsula, deve-se conversar com o médico ou o farmacêutico porque pode haver perda do efeito terapêutico. "No geral, o medicamento deve ser tomado com água longe das refeições, nunca com refrigerante, suco ou líquidos quentes." Ainda, lembra que é perigosa a interação de bebidas alcoólicas com qualquer medicamento.
Controle da tarja preta
O hábito da automedicação tem preocupado, cada vez mais, as autoridades em Saúde do país. Além desses remédios de venda liberada, os controlados estão sendo usados indiscriminadamente. Nesta semana, após quase quatro anos de estudo, o Ministério da Saúde lançou um sistema informatizado para acompanhar a venda de produtos controlados e medicamentos de tarja preta, como os calmantes e moderadores de apetite. Até então, era feito manualmente e repassado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a cada três meses. Com a nova forma de acompanhamento, os dados serão atualizados a cada sete dias. As novas regras vigorarão a partir de 2 de maio. No entanto, farmácias e drogarias terão prazo para se adaptar. Para a região Sul, serão 180 dias.
Busca pela magreza pode ser fatal
Mesmo com casos de morte por causa da busca pela magreza, dita atualmente como modelo ideal de corpo, o consumo de remédios para emagrecer, os anorexígenos, continua em alta. No levantamento feito pela reportagem, em Montenegro, esse tipo de medicamento está entre os mais procurados. E se o cliente não possui a receita exigida, acaba optando por outros compostos. A nutricionista Viviane Vogt, especialista em Nutrição Esportiva e pós-graduada em Nutrição Clínica Funcional, explica que o inibidor de apetite, como o nome mesmo diz, atua no Sistema Nervoso Central inibindo o centro da fome, que é ativado quando as reservas energéticas e de nutrientes estão baixas, levando à procura de alimentos, justamente para repô-las, mantendo e restaurando nosso organismo. "Ou seja, procurar alimentos e comer faz parte do processo da vida, da manutenção da vida", salienta.
Ao inibir o apetite, as pessoas começam a comer menos. Com a entrada de calorias e nutrientes prejudicada, o organismo registra, diariamente, um "desfalque". Quando a pessoa pára de usar o medicamento e o apetite se restabelece, o organismo se "vinga", procurando compensar, através de uma ingestão maior, todas as perdas sofridas. É por isso que a educação alimentar é o caminho correto para emagrecer com saúde. De acordo com Viviane, conhecer e estar consciente que alimentos não são só calorias, que sua função não é só engordar ou emagrecer, mas gerar, manter e renovar a vida, é o primeiro passo e isso exige mudanças.
Viviane salienta que as carências a que o organismo é exposto numa dieta de baixa densidade calórica são devastadoras. Inclusive, restrições de nutrientes como os carboidratos baixam a produção de serotonina, causando depressão e mau humor. Ainda, explica que a diminuição do aporte de vitaminas do complexo B prejudica as células nervosas, provocando agressividade e irritabilidade, bem como comprometimento na produção de energia, ocasionando cansaço e fadiga.
A diminuição do consumo de gorduras na dieta reduz a absorção de vitaminas lipossolúveis, o que resulta em pele ressecada, queda de cabelo, cabelos secos, quebradiços, opacos, diminuição da libido, etc. O baixo consumo de zinco, selênio e vitamina C compromete as defesas do organismo, diminuindo a produção de enzimas antioxidantes e provocando uma queda do sistema imunológico. "Comer certo não engorda, o que engorda é comer errado", resume Viviane, acrescentando que a Obesidade é uma doença multicausal, ou seja, não tem uma única origem. Por isso, deve ser avaliada por um especialista.
Automedicação é prática comum
A reportagem do Jornal Ibiá também ouviu 30 pessoas aleatoriamente na cidade, sendo 14 homens e 16 mulheres, com idades entre 16 e 65 anos. O resultado foi que 100% dos ouvidos disseram já ter consumido, ou consomem regularmente, remédios sem prescrição médica. Inclusive, alguns chegaram a questionar se Paracetamol e Aspirina, por exemplo, eram considerados remédios, pois são tomados para "coisas simples". A resposta é que sim e, se usados incorretamente, podem causar sérios danos à saúde.
A doméstica Leni Pavanate, 48 anos, relata que se automedica para casos mais simples, como dor de cabeça. Inclusive, já teve problemas em decorrência dessa prática. "Tive uma alergia", diz, enfatizando que possui nível baixo de plaquetas no sangue. Mesmo assim, continua tomando remédio por conta própria. "A gente tem medo, mas não se consegue ficha na Assistência, então vamos direto na farmácia."
O motorista aposentado Jair João de Azevedo Flores, 65 anos, também busca na farmácia a medicina para seus males. "Mas só tomo remédios simples, como Aspirina e Doril. Se o problema é mais sério, daí eu procuro o médico", salienta. Já a jovem Rafaela Brandt, 17 anos, diz que prefere tomar chá. "Detesto tomar remédio, mas tomo os que a minha mãe me indica".
A gerente de loja Claudia Silva Vasconcelos, 25 anos, sabe dos perigos que um remédio pode provocar. Ela conta que sua irmã foi num posto de saúde e recebeu indicação de uma Benzetacil (benzilpenicilina benzatina), que foi aplicada. "Ela tinha consultado um médico, mas teve uma alergia, porque não fizeram teste antes", conta, destacando que nunca se sabe quando haverá reações. Claudia consume analgésicos e antitérmicos por conta própria, mas, se caso for mais sério, afirma buscar um médico.
Farmacêutico é consultado no lugar do médico
A farmacêutica Josiane Roberta Appel Fernandes diz que cerca de 50% dos consumidores de sua farmácia compram medicamentos sem apresentação de receita médica. "Eles já chegam com o nome do remédio, pois já o tomaram alguma vez ou receberam indicação de alguém." Muitas vezes, em vez de ir ao consultório médico, os doentes buscam o farmacêutico. Eles chegam dizendo os sintomas e pedem uma medicação.
Segundo Josiane, quando procurada, a maioria das pessoas aceita as orientações que ela dá, ao explicar que se deve evitar o consumo de remédios sem o conhecimento médico. No entanto, relata que já ocorreram casos em que o cliente não aceitou sua orientação. "Uma pessoa me disse que, já que eu não queria, não precisava vender o remédio, pois ela compraria em outro lugar", conta. "Sempre oriento que antibióticos, por exemplo, não devem ser tomados indiscriminadamente, mesmo que o médico tenha receitado em outra ocasião. Nesse caso, deve haver uma nova consulta", explica.
Médico adverte para perigos
O médico Jorge Trentin salienta que todo medicamento oferece riscos à saúde, dependendo de sua indicação, do tempo de uso, de associação ou não a outros medicamentos (interação medicamentosa) e das características individuais de quem o usa. Para Trentin, a automedicação simples e ocasional, em casos de dor aguda, febre ou cólicas, não resulta em maiores problemas, desde que a pessoa não tenha alergia a medicamentos, não seja gestante ou lactente, nem tenha Gastrite e Úlceras (que usam, por exemplo, prolongadamente antiinflamatórios). "Ou seja, desde que a pessoa saiba exatamente que tipo de medicamentos pode e vai usar. Ainda, isso só pode ocorrer por poucos dias." Em caso de não haver melhora, deve-se buscar auxílio médico.
Trentin alerta que a automedicação prolongada pode ocasionar várias situações, como aparecimento de alergia ou reações alérgicas, piora clínica do paciente (que pode passar a ter Gastrites, Úlceras, Diarréias), além do retardo no início de um tratamento correto. Inclusive, o uso indiscriminado de antibióticos pode provocar alteração da flora intestinal ou predisposição à resistência bacteriana pelo uso sem controle desse remédio. O médico lembra que ocorrem casos em que a pessoa procura o especialista apresentando um quadro de Gastroenterite viral, cujo tratamento é sintomático. Porém, o paciente já vem usando antibiótico por conta, ou por indicação de parentes ou vizinhos que tiveram melhora com tal medicamento.
"No entanto, esse remédio pode não ser indicado para essa pessoa, por questões individuais, podendo provocar-lhe desequilíbrio na flora intestinal, tornando agressivas bactérias que estão quietinhas ou controladas por outras, causando uma infecção bem mais séria ou prolongamento do quadro", revela. Por tudo isso, o médico salienta que não se deve fazer automedicação.
Polivitamínicos também devem ser policiados
A pesquisa também apontou a grande procura por polivitamínicos. No entanto, eles não devem ser usados indiscriminadamente. A nutricionista Viviane Vogt salienta que, para cada ciclo de vida, os requerimentos de vitaminas e minerais são diferentes e essas quantidades devem ser respeitadas. Inclusive, doses acima das recomendadas podem ter efeito comprometedor na saúde. Como exemplo, cita o consumo de doses muito altas de vitamina C, tomadas de forma isolada, sem a presença de vitamina E e de alguns flavonóides viram "bandidas" ao invés de "mocinhas".
A nutricionista explica que, ao invés de terem efeito antioxidante e cumprir seu papel protetor do organismo, podem ser extremamente agressivas e formar reações de oxidação (envelhecimento do organismo). Ela explica que existe uma sinergia entre as vitaminas para que possam ter seu efeito protetor maximizado. Assim, vitamina C deve ser usada com E que, por sua vez, deve ser associada à vitamina A, que precisa estar combinada com a D e assim por diante. "O ideal é que a prescrição seja feita por profissionais habilitados, como nutricionistas e médicos", alerta.
Em vez de ir à farmácia, o primeiro passo deve ser a consulta a um especialista. "As pessoas precisam ter noção que seu organismo é único, individual, e aquilo que é bom para mim nem sempre é bom para os outros e vice-versa. Por isso, faz-se necessária uma avaliação clínica completa com profissionais habilitados", salienta.
Alguns dos remédios mais consumidos
*Antiinflamatórios: Cataflam (diclofenaco dietilamônio), Feldene (piroxicam), Flanax (naproxeno sódico), Voltaren (diclofenaco sódico).
*Analgésico Antitérmico: Novalgina (dipirona sódica), Tylenol (paracetamol). Dorflex (citrato de orfenadrina / dipirona sódica / cafeína anidra), Calmador (ácido acetilsalicílico / cafeína), Melhoral (ácido acetilsalicílico / cafeína), Doril (ácido acetilsalicílico / cafeína), Aspirina (ácido acetilsalicílico).
*Anti-hipertensivo: Adalat (nifedipino), Atenol (atenolol), Captopril (captopril).
*Antidepressivo: Prozac (cloridrato de fluoxetina), Zoloft (cloridrato de sertralina), Aurorix (moclobemida), Tryptanol (cloridrato de amitriptilina).
*Antiespasmódico: Buscopan Composto (dipirona sódica e butilbrometo de escopolamina), Luftal (dimeticona).
*Antibiótico: Amoxil (amoxicilina), Bactrim e Bactrim F (sulfametoxazol + trimetoprima), Keflex (cefalexina monoidratada), Tavanic (levofloxacino).
*Ansiolíticos: Buspar (cloridrato de buspirona), Dormid (cloridrato de midazolam, maleato de midazolam), Lanexat (flumazenil), Lorax (lorazepam), Stilnox (zolpidem hemitartarato), Rivotril (clonazepam), Somalium (bromazepam) e Lexotan (bromazepam), Valium (diazepam).
*Polivitaminicos com Minerais: Centrum, Stresstab, Pharmaton, Acuvit.
(Fonte: farmacêuticos entrevistados)
Por Dina Cleise de Freitas
Publicado no Jornal Ibiá em 07/04/2007 - Cadernos - Vida Sadia