Parkinson: conheça mais para conviver melhor

Imagine receber o seguinte diagnóstico médico: "você tem Parkinson, uma doença degenerativa, progressiva, incurável". Só ouvir essa definição já é o suficiente para o paciente desmoronar, cair em prantos, ficar depressivo, adoecer. Mas é possível contornar a situação com qualidade de vida. Através de um relato realista, porém motivador, Ângela Garcia mostra que é possível "viver" após tal diagnóstico. "Não é fácil, mas dá", destaca. "Para viver intensamente, não é preciso estar doente", enfatiza. "Em qualquer situação, é preciso ter muita fé e muita persistência para ser um vencedor na vida", completa Ângela. Com essas frases, ela deixa claro que é possível viver com qualidade mesmo com essa doença. "Eu vivo com Parkinson, não pelo Parkinson", frisa.

Ângela é portadora de Parkinson há nove anos. E há seis está na Associação de Parkinson do Rio Grande do Sul (Apars). Ela conta que, ao saber o diagnóstico, a primeira coisa que vem à mente é "por que eu?", conta. "Primeiro vem a negação da doença, depois a aceitação e então a superação", destaca. "É preciso ter muita fé e força de vontade", salienta.

O caso de Ângela é do tipo precoce. Na faixa dos 30 anos, ela começou a ter rigidez no pescoço, e tratou-se por 15 anos para problemas de coluna. Então um braço começou a ficar rígido. Foi a partir daí que teve o Parkinson diagnosticado. Ângela lembra que chorou muito. Que foi muito difícil o início, mas, com persistência e fé, tem lidado com a doença da melhor maneira possível. Mantém-se ativa, toma todos os remédios exatamente como a orientação médica, faz check-up sistemático, fisioterapia, aulas com fonoaudióloga, participa de atividades artísticas. Ela destaca que o doente não deve se fazer de vítima, fechando-se na depressão. "É preciso querer viver. Quanto mais ativo o portador se mantiver, mais qualidade de vida terá", reflete. Ou seja, deve manter o convívio social dentro de suas possibilidades.

Como exemplo, Ângela cita os casos em que deseja sair cedo da manhã, pegando carona do marido. "Eu sei que demoro muito para me arrumar. Então, como tenho insônia mesmo, levanto três horas mais cedo e me arrumo sozinha. Quando meu marido acorda, eu já estou pronta", salienta. Assim, não perde sua independência nem interrompe o sono do marido.


Aceitar para evitar abatimento emocional

É preciso se preparar para enfrentar a doença também psicologicamente. Com o tempo, instalam-se as dificuldades físicas, como para se locomover, equilibrar, falar, pegar pequenos objetos, segurar talheres, etc. Mas, o mais difícil é lidar com o preconceito, que não vem só da comunidade, mas da própria família e até mesmo do paciente. "Não se pode ter vergonha de ter Parkinson, ninguém pede por isso", salienta Ângela. É preciso assumir a doença e não ter vergonha e, quando preciso, dizer que é portador de Parkinson e que necessita ajuda. "Não se pode ter vergonha até porque ninguém está livre disso. Hoje é você quem pede ajuda a alguém, amanhã poderá ser esse alguém quem pedirá ajuda", destaca.

Abatidos com a doença, muitos deixam de praticar atividades sociais, como ir a festas e aniversários. No entanto, isso é um erro, pois só aumenta o preconceito e gera mais depressão. "Eu tenho Parkinson, minha família não", salienta. Ângela destaca que o portador não deve impor limites (a si e à sua família) além da doença. Deve continuar sua vida, adaptando-se à nova realidade, realizando tarefas conforme ainda tiver condições.

Contando sua própria experiência, Ângela enfatiza que os portadores devem continuar fazendo o que lhes dá prazer. "O Parkinson limita o corpo, mas o cérebro continua 100% ativo. Não se pode tratar o parkinsoniano como se não tivesse mais cérebro", diz. Então, ele deve continuar participando de atividades divertidas, como jogos e rodas de bate-papo. Ainda, praticar esportes, fazer caminhadas, dançar. Afinal, sabe-se que a doença é progressiva e não tem cura, mas não se deve sofrer antecipadamente. "Viva o hoje. Ninguém sabe quem vai morrer amanhã. Pode ser o parkinsoniano, ou não", reflete.


Transmissão pode ser genética


A neurologista Thais Monte, que atua no Ambulatório de Distúrbios do Movimento do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, explica que há vários tipos de Parkinson, cada um com suas características. "Acredito que, no futuro, o Parkinson será dividido em várias doenças", reflete. E já foi descoberto um gene que é comum a vários portadores de Parkinson, mostrando que a doença pode ser passada geneticamente. Porém, também se desenvolve em quem não tem esse gene, mas que, por outros fatores, é mais suscetível ao Parkinson. Mas a causa da doença ainda não está totalmente determinada.

Uma pergunta freqüentemente feita à neurologista é se há como reduzir a progressão da doença. Infelizmente, a resposta é que ainda não há como intervir. O que se pode fazer é amenizar os sintomas através de medicação. Mesmo assim, a reação ao medicamento varia conforme o paciente, além de poderem causar efeitos colaterais, mais ou menos intensos conforme o organismo de cada um. Por exemplo, um parkinsoniano não deve tomar um simples Plasil para enjôo, pois corta o efeito da medicação específica para Parkinson.

Thais explica que, como forma de tratamento, também existe a cirurgia para implante de um marca-passo diretamente no cérebro, para regular uma determinada função. Com isso, alguns sintomas são bastante diminuídos. No então, trata-se de uma ação invasiva e que pode ter efeitos colaterais. "É seguro, mas pode causar perdas, como prejudicar a fala", relata a médica.


Fisioterapia ameniza as restrições


A fisioterapeuta Janina Trapp, de Porto Alegre, destaca a importância de manter a atividade física regular. Isso porque, ao avançar, a doença causa mudanças no corpo. A postura torna-se curva no tronco, com limitações também nos membros superiores e inferiores, o que causa falta de equilíbrio com quedas freqüentes. Além disso, o paciente tem seu tempo de execução de tarefas reduzido e não consegue realizar atividades simultâneas (como falar e caminhar). A rigidez muscular também provoca a perda da mímica facial, deixando o portador com uma expressão única, além de passar a ter dificuldade respiratória.

Todos esses problemas podem ser amenizados através de exercícios específicos, os quais visam evitar que "as dobradiças enferrujem". Com uma conduta preventiva e trabalho persistente, pode-se aumentar a flexibilidade e manter a independência do paciente. Além disso, Janina recomenda alongamento diário, manter repouso sistemático deitado de bruços e de costas para trabalhar a extensão postural, além de manter estilo de vida ativo, realizando trabalhos em grupos (como dançar) e atividade física moderada.


Esforço para obter mais informação


A dona-de-casa Vera Maria Machado Moreira, de 46 anos, teve o Parkinson diagnosticado há sete anos. Ela e o marido, o mecânico Jorge Luis Moreira, 48, moram na localidade de Olaria, em Triunfo, e vieram a Montenegro saber mais sobre a doença. Ambos classificaram como ótimo o evento. Jorge conta que foi o médico de Vera, o neurologista Carlos Adamy, que os informou do evento. Vera tem bastante dificuldade para caminhar e falar. Mesmo assim, fez questão de participar e se informar acerca de sua doença. "Quase não saio. Tenho muita dor na perna. Mas foi muito bom ter vindo", diz Vera. O marido completa que as informações recebidas foram muito importantes, tanto sobre os cuidados quanto os direitos do paciente.


Cuidador deve manter suas rotinas

Durante o 5º Simpósio Regional da Associação de Parkinson do Rio Grande do Sul (Apars), realizado no último sábado no Espaço Vida Unimed, Ângela salientou que, para auxiliar o portador de Parkinson, o cuidador (familiar ou não) precisa estar bem informado sobre a doença, suas limitações e as maneiras de amenizar sua progressão. Mas só isso não basta, ele deve estar bem física e emocionalmente. Além de ter muita paciência e persistência, deve estar de bem com a vida, pois o paciente está lúcido e percebe tudo o que ocorre à sua volta. Por isso, deve manter seu ciclo de amizades, sair para se divertir e praticar esportes. "O cuidador também precisa cuidar de si, além dessas atividades servirem para recarregar suas energias", alertou Ângela.

Só assim ele terá as condições necessárias para auxiliar e estimular o paciente a manter-se independente. Também não deve sentir pena, pois isso não ajuda,só piora. "Quando pedir água, não dê. Faça ele se levantar e pegar o copo. Também não dê o controle da TV, faça ele se levantar e trocar de canal. Esses exercícios são fundamentais para a saúde. Não se pode deixar o corpo atrofiar", enfatizou Ângela.


Saiba mais sobre a doença de Parkinson

Idade x diagnóstico


Não há idade padrão para ocorrer. A prevalência maior é a partir dos 50 anos, aumentando após os 80. No entanto, existem casos precoces, já a partir dos 30 anos. A manifestação ocorre de forma diferenciada. Com isso, algumas pessoas poderão ter seu diagnóstico tardio, embora os sintomas tenham iniciado aos 30. E não existe um exame específico para a identificação. O diagnóstico é feito através de exames clínicos, no consultório médico. "A certeza só é possível com a biópsia do cérebro", relata a neurologista Thais. Mas os diagnósticos são confiáveis, sendo que o índice de acerto chega a 90%.

Principais Sintomas

*Tremor – mas, atenção: nem todo tremor é Parkinson, nem todo parkinsoniano tem tremor.

*Lentidão – o portador dá a impressão de estar dopado, como se bêbado.

*Distúrbios posturais – passa a caminhar curvado, com passos rápidos, curtos e arrastados.

*Rigidez – fica com o corpo rígido, com movimentos bem dificultados.

Sintomas secundários

*Perda da escrita: torna-se difícil escrever, a letra fica muito miúda.

*Dificuldade de fala: a voz fica baixa, pois há rigidez nos músculos do rosto, o que dificulta a articulação da boca. Como há lucidez total, o portador manda ordens cerebrais normais, mas a restrição muscular não o permite falar nitidamente.

*Congelamento: o freezing (em inglês) ocorre inesperadamente. O paciente está caminhando quando, de repente, "trava" numa posição. Quanto mais ele quiser andar, mais travado fica. Nesse caso, Ângela indica um familiar colocar um obstáculo (o pé) na frente dos pés do portador, para que ele tenha o reflexo natural de levantar um dos pé e andar. Dessa forma, consegue voltar à marcha novamente.

*Incontinência urinária e Prisão de ventre: o Parkinson impõe limitações musculares em todo o corpo, e como esses processos dependem do autocontrole muscular da região do baixo ventre, há descontrole involuntário.

*Insônia: ocorre tanto pela doença em si como pela medicação administrada.


Outras doenças

O Parkinson não mata, mas causa sérias restrições físicas. O problema é que outras doenças se aproveitam dessas debilitações. Essas sim podem levar ao óbito. Como exemplo, cita-se o fato de o portador ficar mais propenso a se afogar (por restrição na musculatura da face e da garganta), pois tem dificuldade de engolir a saliva. Ainda, em excesso, essa pode entrar na via aérea, ir ao pulmão e causar Pneumonia.


Direitos dos portadores

O advogado Guilherme Machado, de Porto Alegre, atua junto à Apars. Ele destaca que os portadores de Parkinson devem buscar seus direitos. E na Justiça, se preciso, pois existem leis que lhes favorecem. "O problema é que a maioria da população e muitos do Judiciário desconhecem esses direitos", diz. Para poder requerer qualquer direito, o primeiro passo é guardar todos os exames, laudos, receitas e atestados por tempo indeterminado. "Faça um arquivo em casa", sugere. "Nunca coloque um laudo velho fora, nem entregue os originais se alguém pedir". Guilherme explica que, na hora de solicitar uma aposentadoria, esses documentos são fundamentais.

*Saúde: Guilherme explica que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem obrigação de dar atendimento integral. No entanto, os planos de saúde privados só são obrigados a cumprir o que estiver no contrato. Por isso, é preciso estar bem informado.

*Imposto de Renda: o portador é isento, desde que peça o benefício e comprove a doença, o que deve ser feito com laudos médicos recentes e antigos, para comparação. Pensionistas e aposentados com a doença também ficam isentos do pagamento de Imposto de Renda, mas devem continuar apresentando a declaração anualmente.

*Aposentadoria: o servidor público pode pedir aposentadoria integral independente do tempo de serviço a partir do diagnóstico, caso fique incapacitado para a sua função. Se já é aposentado (parcial) e surgir a doença, pode solicitar pagamento integral. Já no INSS, o processo é mais difícil, e novamente os documentos antigos são fundamentais.

*Carro: pode solicitar junto ao Detran isenção nas taxas de IPI, ICMS e IPVA para compra de carro novo com as adaptações necessárias (mesmo que só o cuidador vá dirigir). Ainda, em caso de financiamento de veículo até 12 HP, fica isento de IOF.

*Casa própria: tem quitação automática do financiamento, enquadrando-se na categoria invalidez.

*FGTS: pode ser sacado a partir do diagnóstico, mas é preciso ação judicial, para requerer os mesmos direitos concedidos a quem possui Câncer ou Aids.

*PIS e PASEP: também podem ser sacados.

*Remédios: alguns pacientes chegam a gastar R$ 1.000,00 mensais só com a medicação. Os que não tiverem condições financeiras têm o direito de buscar seus remédios na Farmácia do Estado, responsável pelo fornecimento de medicamentos "especiais". Mas, para isso, deve respeitar a burocracia. "Se, após todos os trâmites, não conseguir, aí sim pode e deve entrar na Justiça", enfatiza Guilherme.

Por Dina Cleise de Freitas
Publicado no Jornal Ibiá em 23/08/2008 - Cadernos - Vida Sadia