![]() |
Reprodução da página impressa |
"Ser deficiente é ser limitado, todo deficiente sabe disso, assim como sabe que, todo dia, tem de vencer obstáculos. Mas, assim como há pessoas que te incentivam, há quem te puxe para baixo", alerta Nalu Teresinha da Silva Goulart, de 47 anos. O uso de uma muleta não a impede de ser produtiva. Mesmo assim, Nalu conta que muitos a olham desconfiados de sua capacidade.
Nalu revela que seu primeiro emprego foi de cobradora de ônibus urbano, em Montenegro. Ela relembra que foi difícil conseguir o trabalho. Ela soube da vaga e se apresentou. Mas até o médico que fez sua avaliação achava que não conseguiria. Para sua sorte, o então futuro chefe resolveu testar sua força de vontade, dando-lhe um voto de confiança. "Isso foi em 1983. Não se falava em inclusão social naquele tempo", salienta Nalu. "Naquela época, ou diziam que não tinham vaga, ou criavam uma série de obstáculos", conta. Felizmente, alguém já pensava em dar oportunidades para pessoas especiais.
Nalu venceu na função, provando a todos que podia sim ter um bom rendimento, mesmo com suas limitações. E outros desafios vieram. Ela trabalhou inclusive como gerente em departamento de RH de uma empresa. Atualmente, é secretária na Escola Estadual Dr. Paulo Ribeiro Campos, o "Polivalente", cargo que ocupa desde agosto de 2010.
Ela destaca que, hoje, a realidade é outra, com mais oportunidades, sendo que as empresas já veem os portadores de deficiência de forma mais inclusiva. "Ainda assim, temos de provar que temos condições de trabalhar", salienta Nalu. "No papel, a lei é muito bonita, mas, na prática, a situação é bem mais difícil", lamenta.
Falta conscientização
Para Nalu, ainda falta muito para Montenegro ser considerada uma cidade inclusiva. Ela relata que as calçadas são desniveladas e esburacadas, o que atrapalha muito o andar de qualquer um, imaginem então para quem precisa de apoio numa muleta. Também quase não existem rampas de acesso, sendo que as poucas já instaladas, em sua maioria, são íngremes demais, o que também impede sua passagem. "Não tem como subir, até uma escada é melhor, para mim, nesse caso", destaca.
Muitos comércios sequer pensam em facilitar o acesso a seus estabelecimentos. Também não existem opções para compra de material de qualidade. Nalu conta que as muletas duram pouco, não sendo resistentes nem anatômicas. "Mas a chegada dos micro-ônibus foi uma inovação boa, pois são mais baixos que os ônibus normais, o que facilita o acesso".
Família: o esteio da vida
Nalu é a mais velha de sete irmãos. Quando nasceu, sua mãe tinha 16 anos e seu pai, 22. Mesmo formando um casal jovem e inexperiente, criaram a filha da melhor forma possível. "Eles souberam lidar com a situação. Eu agradeço a Deus a felicidade de ter tido pais tão maravilhosos", salienta Nalu. "Eles me ensinaram que eu tenho uma limitação, mas que isso não vai me impedir de fazer as coisas, apenas vou ser mais lenta", completa.
Nalu teve Poliomielite, a conhecida Paralisia Infantil, numa época em que a vacina era paga e de cota limitada, sendo ainda preciso ter nove meses de idade para recebê-la. "Eu tive a doença faltando uns dias para fechar os nove meses", conta. Como sequelas, Nalu ficou com os movimentos do braço direito e da perna esquerda limitados. Por isso, precisa usar muleta para garantir seu equilíbrio para caminhar.
Mas Nalu nunca se revoltou com o fato de ter uma limitação física. "Nunca vi como um castigo. Sempre tive para mim que essa deficiência veio para me ensinar algo e para ensinar algo aos outros", reflete. "Muitos, quando sofrem um acidente e ficam com um problema, pensam que sua vida acabou. Não, apenas é preciso aprender outra forma de ver a vida", destaca. "É aí que entra a superação", observa.
Outra família importante para Nalu é o Grupo Carismáticos da Igreja Católica. Essa participação a fortalece, sendo a fé uma base para ela vencer os obstáculos, os olhares de reprovação. "A fé tira a Depressão", salienta.
Solteira e sem filhos por opção, Nalu revela que sempre dedicou-se ao trabalho, à conquista de seu espaço e ao crescimento profissional. Inclusive quer voltar a estudar e concluir a faculdade de Administração de Empresas. "Ainda não encontrei alguém para casar, mas não existe idade para o amor, não é", finaliza, entre risos, revelando-se aberta a novas experiências.
Basta, preconceito!
Na maioria dos casos, o preconceito manifesta-se de forma velada, fechando portas, negando acesso. Noutras, no entanto, é direto e estarrecedor, como uma situação vivida por Nalu há alguns anos. "Um senhor olhou para mim e perguntou o que eu estava fazendo, por que eu estava tirando a vaga de um normal", revela. "Primeiro levei um choque, e aí perguntei a ele o que era ser normal", conta.
Nas primeiras vezes que tentou entrar no banco, outra situação constrangedora diante da porta giratória, que ficou bloqueada, devido à muleta. "O guarda insistia que eu tinha de deixar a muleta e entrar. Bem que eu queria fazer isso", adverte Nalu. "Eu disse que, se pudesse, dava a muleta de presente para ele, mas não dava, eu só posso caminhar com a muleta", destaca.
E agora, embora consiga contar com a compreensão dos guardas e entrar nos bancos sem maiores problemas, ela prefere ficar na fila comum, mesmo vendo a placa do guichê para portadores de necessidades especiais. "Eu prefiro sempre a fila comum, porque me sinto muito constrangida com os olhares das outras pessoas", conta.
Como qualquer outra pessoa, Nalu sabe muito bem diferenciar um olhar de curiosidade, de quem quer apenas saber o que ela tem na perna, de um olhar de reprovação. "Parece que eu estou pulando a vez deles", destaca.
Por Dina Cleise de Freitas
Publicado no Jornal Ibiá em 05/03/2011 - Cadernos - Vida Sadia